A depressão é uma condição de saúde mental muito comum e afeta profundamente a vida de quem convive com ela. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais de 264 milhões de pessoas no mundo vivem com esse transtorno.
Uma pesquisa feita na região metropolitana de São Paulo revelou que as taxas de depressão nessa área estão entre as mais altas do mundo. De acordo com os dados, cerca de 18,4% das pessoas já tiveram depressão em algum momento da vida.
Além da frequência elevada, a depressão se destaca pelo impacto que causa: é uma das principais causas de incapacidade no mundo. Os sintomas podem ser persistentes, recorrentes e afetar diversas áreas da vida, desde os relacionamentos até o desempenho no trabalho e nos estudos. Em muitos casos, há também um risco aumentado de suicídio.
Dessa forma, é fundamental que a gente fale sobre depressão de forma clara, acolhedora e baseada em evidências. Entender o que é, como identificar os sinais e quais são os caminhos para o tratamento pode fazer toda a diferença — tanto para quem vive com a doença quanto para quem está ao redor.
O QUE É DEPRESSÃO?
A depressão é um transtorno mental que afeta profundamente o humor, o pensamento, o corpo e o comportamento. Vai muito além da tristeza: trata-se de uma condição que altera a forma como a pessoa percebe a si mesma, os outros e o mundo ao redor.
Tudo passa a ser visto através de uma lente negativa, marcada por desânimo, falta de prazer, sentimentos de culpa e esgotamento emocional.
Em algumas pessoas, a depressão começa de forma súbita, após um evento marcante. Em outras, ela se instala de maneira lenta e progressiva, sem uma causa evidente.
É uma doença que tende à recorrência e cronicidade. Estima-se que 25% dos pacientes apresentem recaídas nos primeiros seis meses, e até 85% possam ter novos episódios ao longo de 15 anos.
A idade média de início varia entre 24 e 35 anos. Os transtornos depressivos são mais frequentes em mulheres, o que pode estar relacionado com alterações hormonais, gestação, parto e estressores psicossociais.
COMO A DRA. TAHIRIH PODE TE AJUDAR NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS DEPRESSIVOS?
Sou médica psiquiatra, com residência médica em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Acredito que cada pessoa carrega uma história única — e que essa história merece ser escutada com atenção, empatia e respeito.
Tenho convicção de que o cuidado com a saúde mental começa no encontro humano — na escuta verdadeira, sem pressa e sem julgamentos.
Minha prática clínica é guiada por dois pilares fundamentais, que se complementam e se fortalecem: o compromisso com a ciência, que garante que cada decisão seja orientada pelas melhores evidências disponíveis, em busca de tratamentos eficazes e seguros, e uma escuta sensível e acolhedora, que reconhece a singularidade de cada pessoa, sua história, seus sentimentos e suas necessidades.
Acredito que o cuidado só é completo quando se une conhecimento técnico com humanidade e empatia.Porque, antes de qualquer diagnóstico ou tratamento, é essencial enxergar quem está ali, do outro lado.
Se você chegou até aqui e sente que precisa de apoio, saiba: você não está sozinho(a). Estou à disposição para oferecer um espaço seguro, humano e cuidadoso, onde juntos possamos buscar caminhos para aliviar o sofrimento e reconstruir o seu bem-estar.
QUAIS SÃO OS SINTOMAS DA DEPRESSÃO?
A depressão se manifesta por um conjunto de sintomas que afetam diferentes áreas da vida — desde o funcionamento do corpo até o pensamento e as emoções.
Esses sinais não se limitam ao estado emocional: eles impactam o bem-estar físico, a motivação, a clareza mental e a forma como a pessoa se relaciona com o mundo.
Os sintomas devem estar presentes na maior parte do dia, quase todos os dias, por pelo menos duas semanas, e causar sofrimento ou prejuízos significativos na vida da pessoa.
Veja abaixo os principais sintomas:
- Tristeza constante: a pessoa chora com facilidade, sente-se vazia ou sem esperança.
- Perda de interesse ou prazer nas atividades (anedonia): coisas que antes davam prazer, como ouvir música, cozinhar ou encontrar amigos, deixam de fazer sentido.
- Desânimo, fadiga, falta de vontade e iniciativa: tarefas do dia a dia, que antes eram realizadas com facilidade, passam a exigir um esforço muito maior. Atividades básicas — como tomar banho, levantar da cama ou preparar uma refeição — podem se tornar difíceis. Em quadros mais graves, essa dificuldade pode se estender ao ponto de comprometer totalmente o autocuidado.
- Culpa e baixa autoestima: É comum surgir uma visão muito crítica de si mesmo, com sentimentos de fracasso, inutilidade, insuficiência ou culpa exagerada.
Exemplo: “nunca nada dá certo”, “faço tudo errado”. - Pensamentos negativos repetitivos (ruminação): padrão de pensamento em que a pessoa fica presa em ideias negativas, relembrando erros, perdas ou situações difíceis de forma repetitiva e sem conseguir “sair do lugar”.
- Ideação suicida: pensamentos sobre morte, vontade de desaparecer ou de acabar com o sofrimento.
- Dificuldade de concentração, memória e raciocínio: é comum haver lentidão no pensamento, dificuldade para manter o foco, esquecimentos frequentes e dificuldade para tomar decisões, mesmo as mais simples.
- Apatia: incapacidade ou redução da capacidade de sentir emoções, tanto positivas quanto negativas. Trata-se de uma indiferença generalizada: a pessoa não se sente tocada por situações que antes provocariam alegria, tristeza, raiva ou entusiasmo. É como se houvesse uma “desconexão” emocional — mesmo diante de acontecimentos significativos, a reação afetiva é nula ou muito diminuída.
Exemplo: “Nada me emociona mais. Nem as coisas boas nem as ruins. Só… tanto faz.” - Irritabilidade: sentir-se constantemente impaciente, reagindo de forma exagerada a situações comuns.
- Insônia ou sono excessivo: dificuldade para dormir, acordar muitas vezes à noite ou dormir o dia todo.
- Alterações no apetite: tanto a falta de apetite quanto o comer em excesso podem ocorrer.
- Diminuição da libido (desejo sexual): o interesse e a atividade sexual costumam ser reduzidos durante episódios depressivos.
- Sintomas físicos sem causa médica clara: dores pelo corpo, sensação de peso, mal-estar.
O QUE É DEPRESSÃO PSICÓTICA?
Em alguns casos mais graves, a depressão pode ser acompanhada por sintomas psicóticos, que envolvem distorções na percepção da realidade.
Um dos principais sinais é a presença de delírios — crenças falsas, rígidas e inquestionáveis, mesmo quando contraditas por evidências. A pessoa pode acreditar, por exemplo, que cometeu um pecado imperdoável, que está falida (mesmo tendo estabilidade financeira) ou que tem uma doença grave, sem qualquer confirmação médica.
Também podem ocorrer alucinações, como ouvir vozes que acusam ou condenam, ver figuras inexistentes ou sentir cheiros estranhos sem nenhuma explicação física.
Esse quadro é chamado de depressão psicótica, uma forma grave do transtorno que costuma exigir tratamento intensivo e, em alguns muitos, internação. Isso porque o paciente pode recusar alimentação, negar-se a seguir orientações médicas ou estar em risco iminente. Nesses casos, a intervenção rápida e estruturada é essencial para garantir a segurança e dar início ao processo de recuperação.
QUAIS SÃO OS TIPOS DE TRANSTORNOS DEPRESSIVOS?
A depressão não se manifesta da mesma forma em todas as pessoas. Trata-se de uma condição heterogênea, com sintomas, intensidade e evolução que podem variar bastante.
Por isso, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) classifica os transtornos depressivos em diferentes tipos:
1. Transtorno depressivo maior (TDM):
- É a forma mais conhecida da depressão. Caracteriza-se por episódios distintos de pelo menos duas semanas de duração, com alterações significativas no humor, pensamento, comportamento e físicas (como sono, apetite e energia).
- Os sintomas costumam ser persistentes durante a maior parte do dia, com intenso sofrimento psíquico e prejuízos no funcionamento pessoal, social ou profissional. É comum que esses episódios sejam recorrentes, com períodos de melhora entre eles.
2. Transtorno depressivo persistente (distimia):
- Trata-se de uma forma crônica de depressão, com sintomas contínuos por pelo menos dois anos em adultos (ou um ano em crianças e adolescentes).
- Os sintomas tendem a ser menos intensos do que os do transtorno depressivo maior, mas o impacto no funcionamento pode ser significativo, especialmente pela duração prolongada do quadro.
3. Transtorno disfórico pré-menstrua:
- Envolve alterações intensas de humor e sintomas físicos e emocionais (como tristeza, irritabilidade, ansiedade, fadiga, alterações no sono, apetite ou libido) que ocorrem na fase pré-menstrual e desaparecem após o início da menstruação.
- Os sintomas precisam estar presentes na maioria dos ciclos menstruais ao longo de um ano e causar prejuízo no funcionamento diário.
4. Transtorno depressivo induzido por substância ou medicamento:
- Refere-se a quadros depressivos associados ao uso ou retirada de substâncias psicoativas (como álcool, drogas) ou certos medicamentos.
- Para esse diagnóstico, os sintomas não podem ser explicados por outros transtornos mentais anteriores, nem se limitar a sintomas transitórios de intoxicação ou delirium.
5. Transtorno depressivo devido a outra condição médica:
- Nesse caso, os sintomas depressivos são diretamente relacionados a uma condição clínica, como doenças neurológicas, hormonais, infecciosas ou autoimunes.
- O diagnóstico requer que os sintomas não sejam explicados melhor por outro transtorno psiquiátrico, e que exista uma ligação clara entre a condição médica e o início da depressão.
Além dos diagnósticos principais, o DSM-5 também permite que os episódios depressivos sejam descritos com especificadores, que ajudam a identificar características adicionais do quadro. Eles são úteis para entender melhor o padrão dos sintomas e, em alguns casos, orientar o tratamento. Veja os principais:
- Com sintomas ansiosos: presença de sintomas como nervosismo, inquietação, dificuldade para relaxar, temor que algo terrível e sentimento de poder perder o controle de si mesmo.
- Com características melancólicas: perda total de prazer e reatividade emocional, associada a sintomas como prostração profunda, piora matinal, lentidão, culpa excessiva e perda de apetite.
- Com características atípicas: humor reativo, com aumento de apetite, sono excessivo e padrão persistente de sensibilidade interpessoal.
- Com início periparto: episódio que começa durante a gravidez ou nas quatro semanas após o parto.
- Com padrão sazonal: episódios que ocorrem regularmente em certas épocas do ano, como no inverno.
- Com características mistas: presença de alguns sintomas de mania ou hipomania durante a depressão, sem preencher critérios para transtorno bipolar.
- Com características psicóticas: presença de delírios ou alucinações, que podem ou não estar relacionados ao conteúdo depressivo.
- Com catatonia: envolve alterações motoras graves. A pessoa pode ficar imóvel por longos períodos, com o corpo rígido, sem falar (mutismo) ou reagir ao ambiente, mantendo o olhar fixo.
CAUSAS E FATORES DE RISCO PARA A DEPRESSÃO
A depressão é um transtorno neurobiológico complexo, resultado da interação entre fatores genéticos e ambientais.
Assim como outras condições de saúde — como doenças cardiovasculares, câncer e diabetes tipo 2 — ela não tem uma única causa, mas surge da combinação de alterações no funcionamento do cérebro com influências do ambiente e da história de vida da pessoa.
Estudos mostram que a herdabilidade da depressão é estimada em cerca de 37%, ou seja, há um componente genético importante. No entanto, a genética por si só não determina quem irá ou não desenvolver o transtorno.
O ambiente em que a pessoa vive e suas experiências ao longo da vida são determinantes no aumento ou na redução desse risco.
Fatores que aumentam o risco de depressão:
- História familiar de depressão ou outros transtornos psiquiátricos
- Experiências adversas na infância, como abuso, negligência ou abandono
- Eventos traumáticos ou estressantes ao longo da vida (luto, separação, violência)
- Depressão ou transtornos mentais nos pais durante a infância
- Comorbidades psiquiátricas, especialmente transtornos de ansiedade
- Uso abusivo de álcool ou outras substâncias
- Doenças crônicas (em especial, cardiovasculares, diabetes e neurológicas)
- Períodos de mudanças hormonais (gestação, puerpério, climatério)
O estresse ambiental pode ser o gatilho para o primeiro episódio depressivo em pessoas vulneráveis. E, uma vez que o padrão de vulnerabilidade se estabelece, novos episódios podem surgir com mais facilidade, mesmo na ausência de eventos estressores recentes. Isso explica por que, em alguns casos, a depressão se torna recorrente ao longo dos anos.
Compreender esses fatores pode ajudar tanto na prevenção quanto na intervenção precoce, além de mostrar que a depressão é uma condição influenciada por múltiplos fatores.
COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO DA DEPRESSÃO?
O diagnóstico dos transtornos depressivos é clínico, ou seja, baseado na escuta e observação do paciente. Atualmente, não existem exames laboratoriais ou de imagem capazes de confirmar diretamente um transtorno depressivo, o que torna a entrevista psiquiátrica a principal ferramenta para avaliação.
Durante a consulta, o psiquiatra investiga não apenas os sintomas, sua duração, intensidade e impacto na vida da pessoa, mas também uma série de outros fatores que ajudam a compreender o quadro de forma mais ampla.
Entre os aspectos abordados, estão:
- Infância e relações familiares
- Vivências afetivas, sociais e profissionais
- Perdas marcantes e lutos
- Hábitos, rotinas e crenças
- Eventos traumáticos ou mudanças significativas
- Histórico familiar de transtornos mentais
- Tratamentos psiquiátricos realizados anteriormente
Essa abordagem aprofundada permite compreender o contexto em que os sintomas surgem e identificar padrões que podem estar relacionados ao sofrimento atual.
Além disso, sempre que possível, o psiquiatra também conversa com familiares, bem como com outros profissionais que acompanham o paciente, como psicólogos, terapeutas ocupacionais ou médicos de outras especialidades. Isso contribui para uma visão mais completa da situação, incluindo aspectos que o paciente pode não perceber ou conseguir expressar sozinho.
O diagnóstico é feito com base nos critérios definidos por sistemas de classificação internacionalmente reconhecidos, como o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças).
QUANDO OS EXAMES SÃO SOLICITADOS?
Embora os exames não sejam usados para diagnosticar a depressão em si, eles são importantes para descartar outras condições médicas que podem causar sintomas semelhantes, como alterações hormonais, neurológicas ou carenciais.
Algumas doenças que podem se manifestar com sintomas depressivos incluem:
- Neurológicas: demências, encefalites, epilepsias, esclerose múltipla, AVC, tumores cerebrais.
- Endocrinológicas: hipo/hipertireoidismo, deficiência de vitaminas, síndrome de Cushing.
- Reumatológicas: vasculites, lúpus, artrite reumatoide, doenças autoimunes.
- Hematológicas: anemias, linfomas, leucemias.
DIFERENCIANDO A DEPRESSÃO DE OUTRAS CONDIÇÕES
Nem toda tristeza ou sofrimento emocional é sinal de depressão. Um dos primeiros passos no diagnóstico é diferenciar o episódio depressivo de reações naturais a eventos adversos, como perdas, mudanças importantes ou situações de estresse intenso.
DEPRESSÃO OU TRISTEZA NORMAL?
É comum sentir tristeza, desânimo ou perda de interesse após vivenciar situações difíceis — como a morte de alguém querido, o término de um relacionamento ou a perda de um emprego. No entanto, essas reações costumam ser transitórias e fazem parte do processo de adaptação.
Segundo o DSM-5, a presença de sintomas depressivos por mais de duas semanas, mesmo em um contexto de luto, pode indicar um transtorno depressivo, desde que haja prejuízo significativo no funcionamento emocional, social ou profissional. A depressão, nesse caso, representa uma ruptura do estado habitual da pessoa, com sintomas que ultrapassam o esperado diante de determinada situação.
Quando os sintomas estão ligados a um evento estressor que não envolve perda por morte, mas também provocam sofrimento e afetam o funcionamento, pode ser considerado um transtorno de ajustamento. Neste caso, os sintomas aparecem até três meses após o evento, mas não preenchem todos os critérios para um transtorno depressivo maior.
DEPRESSÃO OU TRANSTORNO BIPOLAR?
Um dos diagnósticos diferenciais mais importantes é entre depressão unipolar e depressão bipolar. Ambas podem se apresentar com os mesmos sintomas depressivos, mas o transtorno bipolar também inclui, em algum momento da vida, episódios de mania ou hipomania — com aumento de energia, impulsividade, agitação ou euforia.
Esse diagnóstico pode ser difícil, especialmente quando o primeiro contato do paciente com o sistema de saúde ocorre durante um episódio depressivo. Às vezes, os episódios de mania só se manifestam anos depois do início dos sintomas depressivos, o que pode levar a tratamentos inadequados.
Por isso, é essencial investigar cuidadosamente o histórico de vida e sintomas anteriores, além de observar sinais de alerta que são mais sugestivos para o transtorno afetivo bipolar:
- Início precoce do primeiro episódio depressivo (antes dos 25 anos);
- Episódios depressivos muito recorrentes (5 ou mais ao longo da vida);
- Histórico familiar de transtorno bipolar;
- Presença de sintomas psicóticos durante a depressão;
- Sintomas depressivos atípicos, como: sonolência excessiva, aumento do apetite;
- Depressão ou psicose no pós-parto;
- Sintomas maníacos ou hipomaníacos induzidos por antidepressivos;
Essa diferenciação é essencial, pois o tratamento é diferente.O uso isolado de antidepressivos em casos de depressão bipolar pode agravar o quadro, aumentando o risco de ciclagem de humor, sintomas mistos ou resistência ao tratamento. Por isso, o tratamento deve incluir estabilizadores do humor e/ou antipsicóticos.
DEPRESSÃO OU OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS?
Alguns transtornos mentais compartilham sintomas com a depressão, o que pode dificultar o diagnóstico. Veja os principais diagnósticos diferenciais:
- Transtornos de ansiedade: costumam se sobrepor com a depressão, especialmente em sintomas como insônia, inquietação, tensão e dificuldade de concentração.
- Transtornos de personalidade: podem apresentar instabilidade emocional, sentimentos crônicos de vazio e pensamentos de morte recorrentes como no transtorno de personalidade com instabilidade emocional (Borderline).
- Transtorno de estresse pós-traumático: pode se manifestar com retraimento social, apatia, alterações de sono e humor deprimido após vivências traumáticas.
- TDAH em adultos: pode se confundir com depressão pela presença de desmotivação, cansaço, baixa produtividade, procrastinação e dificuldade de foco.
- Esquizofrenia ou transtornos psicóticos: em quadros com delírios ou embotamento afetivo (redução das expressões emocionais), pode haver sobreposição com depressão psicótica, exigindo avaliação clínica minuciosa.
Diante da semelhança entre os sintomas, é importante que a avaliação seja feita de forma cuidadosa e individualizada. Isso envolve não apenas entender o que a pessoa está sentindo no momento, mas também considerar o contexto de vida, o histórico de sintomas ao longo do tempo e possíveis fatores associados.
Em casos mais complexos, pode ser necessário acompanhar a evolução clínica por um período maior e integrar informações de pessoas próximas e de outros profissionais que acompanham o paciente.
Esse olhar ampliado ajuda a diferenciar transtornos com manifestações parecidas e contribui para uma escolha mais adequada do tratamento.
DEPRESSÃO E PROBLEMAS DE SAÚDE QUE PODEM ESTAR RELACIONADOS
É muito comum que a depressão esteja acompanhada de outros transtornos mentais ou condições médicas, o que chamamos de comorbidades. A presença de comorbidades pode dificultar o diagnóstico, aumentar a gravidade dos sintomas, prolongar o tempo de tratamento e impactar negativamente a qualidade de vida.
Segundo o estudo populacional National Comorbidity Survey-Replication (NCS-R), cerca de 72% das pessoas com diagnóstico de depressão maior também apresentaram, ao longo da vida, pelo menos um outro transtorno mental. Os mais comuns foram:
- Transtornos de ansiedade (presentes em 59,2% dos casos)
- Transtornos relacionados ao uso de substâncias (em 24% dos casos)
- Transtornos alimentares, como anorexia e bulimia
- Transtornos de personalidade, especialmente os do tipo borderline
Além das comorbidades psiquiátricas, a depressão também pode estar associada a condições clínicas como:
- Doenças crônicas (diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares)
- Distúrbios hormonais (como alterações da tireoide)
- Síndromes dolorosas crônicas (como fibromialgia)
A presença de comorbidades está ligada a um início mais precoce da depressão, maior risco de cronicidade, menor resposta aos tratamentos convencionais e aumento das taxas de suicídio.
Por isso, uma avaliação cuidadosa e abrangente é essencial desde o início, para que o plano terapêutico leve em consideração todas as dimensões envolvidas no sofrimento do paciente.
COMO É FEITO O TRATAMENTO DA DEPRESSÃO?
O tratamento da depressão envolve diferentes abordagens e deve ser feito de forma multidisciplinar, combinando medicações e estratégias não medicamentosas, como psicoterapia, mudanças no estilo de vida e apoio psicossocial. Essa combinação permite um cuidado mais completo, respeitando as necessidades de cada pessoa.
Os principais objetivos são:
- Alcançar a remissão dos sintomas (melhora dos sintomas);
- Promover a recuperação funcional (ajudar a pessoa a retomar suas atividades do dia a dia);
- Restaurar a qualidade de vida;
- Prevenir recaídas (evitar que a depressão volte no futuro).
Como a depressão se apresenta de formas diferentes em cada indivíduo, o tratamento precisa ser personalizado. O profissional de saúde deve considerar a história, os sintomas e as preferências do paciente. Por isso, a tomada de decisão compartilhada é essencial — ou seja, paciente e profissional escolhem juntos o melhor caminho a seguir.
É importante saber que o tratamento nem sempre é simples. Cerca de 65% das pessoas não melhoram completamente com o primeiro antidepressivo, mesmo quando usado corretamente. E, mesmo quando há melhora, sintomas residuais podem persistir, afetando o bem-estar e aumentando o risco de recaídas.
Por isso, é fundamental que o tratamento seja abrangente e adaptado às necessidades de cada pessoa, com acompanhamento contínuo e o uso combinado de diferentes estratégias para que os objetivos do tratamento sejam realmente alcançados.
ABORDAGEM EM FASES:
O tratamento da depressão costuma ser dividido em duas etapas principais, que se complementam:
1. FASE AGUDA:
Essa é a fase inicial do tratamento, com o objetivo de reduzir os sintomas da depressão, melhorar o bem-estar da pessoa e garantir sua segurança.
O principal foco é alcançar a remissão dos sintomas. No entanto, melhorar a qualidade de vida e ajudar o paciente a retomar suas atividades também são partes importantes do sucesso do tratamento.
2. FASE DE MANUTENÇÃO:
Depois que os sintomas melhoram, inicia-se a fase de manutenção. O principal objetivo dessa etapa é evitar recaídas, consolidar os avanços obtidos e ajudar a pessoa a retomar seu funcionamento habitual, como era antes da depressão.
Um paciente é considerado recuperado do episódio depressivo atual quando permanece sem sintomas por pelo menos 6 meses. No entanto, mesmo após esse período, é fundamental manter o acompanhamento para garantir a estabilidade do quadro e reduzir o risco de novos episódios.
Durante essa fase, o tratamento pode ser ajustado ou gradualmente reduzido, sempre com orientação médica e somente quando for seguro. É também um momento importante para reforçar estratégias de resiliência emocional, ajudando o paciente a lidar melhor com futuras adversidades e a manter o bem-estar a longo prazo.
Em geral, essa fase dura pelo menos 1 ano após a melhora dos sintomas. Contudo, pode ser estendida por mais tempo em pessoas que apresentam maior risco de recaída, como:
- Episódios prolongados, com duração superior a 2 anos;
- Comorbidades clínicas ou psiquiátricas, como ansiedade, transtornos de personalidade ou doenças crônicas;
- Histórico de episódios recorrentes;
- Casos de resistência ao tratamento, quando os sintomas não melhoram com as abordagens habituais.
O QUE PODE FAZER PARTE DO TRATAMENTO?
O tratamento da depressão pode incluir diferentes estratégias que se complementam. A seguir, veja as principais abordagens utilizadas.
1. PSICOEDUCAÇÃO:
A psicoeducação também tem papel central, ajudando o paciente e sua rede de apoio a entender melhor o transtorno, reconhecer sinais de alerta, identificar gatilhos e colaborar ativamente com o tratamento.
2. MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA:
Fatores como sono inadequado, sedentarismo, alimentação desequilibrada e tabagismo estão associados ao aumento do risco de desenvolver depressão e à piora dos sintomas em quem já convive com o transtorno.
Por isso, mudanças no estilo de vida podem ter efeito terapêutico significativo, especialmente como parte de um tratamento integrado.
- Exercício físico: praticar atividades de baixa a moderada intensidade por 30 a 40 minutos, 3 a 4 vezes por semana, por pelo menos 9 semanas, ajuda a reduzir os sintomas depressivos e melhora o bem-estar geral.
- Sono de qualidade: manter uma rotina de sono regular e reparador é fundamental para o tratamento e prevenção da depressão. A relação entre sono e depressão é mútua — dormir mal pode agravar o quadro, e a depressão pode prejudicar o sono. Estratégias como higiene do sono e, em alguns casos, terapia cognitivo-comportamental para insônia, podem ser muito úteis. A exposição diária à luz natural também contribui para regular os ritmos biológicos e melhorar o humor.
- Alimentação saudável: uma dieta baseada no padrão mediterrâneo — rica em frutas, vegetais, grãos integrais, peixes e azeite de oliva — pode ter efeito complementar no tratamento da depressão, ajudando a promover o equilíbrio físico e mental.
Essas mudanças podem trazer ganhos importantes para a saúde emocional e física, e são especialmente eficazes quando integradas a outras formas de tratamento.
3. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO:
No Brasil, existem mais de 20 tipos de antidepressivos disponíveis. Embora nenhum medicamento tenha se mostrado claramente superior aos demais em termos de eficácia, há diferenças importantes em relação à tolerabilidade, perfil de efeitos colaterais e segurança, que devem ser consideradas na escolha do tratamento.
A escolha do antidepressivo deve ser feita de forma individualizada, considerando os seguintes fatores:
- Eficácia esperada, com base nas evidências disponíveis;
- Tolerabilidade e efeitos colaterais mais comuns;
- Histórico do paciente, incluindo resposta prévia ou resposta positiva em familiares (fatores genéticos podem influenciar);
- Comorbidades clínicas e psiquiátricas que possam impactar a escolha;
- Custo e disponibilidade do medicamento;
- Preferência do paciente.
Se o paciente não alcançar remissão dos sintomas com o primeiro antidepressivo — mesmo após o uso em dose e tempo adequados — existem algumas estratégias que podem ser consideradas para ajustar o tratamento:
- Otimização: consiste em ajustar a dose ou prolongar o tempo de uso, com o objetivo de alcançar o melhor efeito possível, sempre com atenção à segurança e tolerabilidade.
- Troca de antidepressivo: é indicada quando não há resposta satisfatória ou quando os efeitos colaterais dificultam a continuidade do tratamento. A substituição deve ser feita de forma cuidadosa, preferencialmente de maneira gradual.
- Potencialização: envolve a associação de outro medicamento que ajude a aumentar a eficácia do antidepressivo. Um exemplo comum é a adição de antipsicóticos atípicos, que podem melhorar a resposta ao tratamento.
Nos casos de depressão com sintomas psicóticos, o uso isolado de antidepressivo geralmente não é suficiente. Nesses quadros, recomenda-se a combinação de antidepressivo com antipsicótico.
4. ELETROCONVULSOTERAPIA:
Além do tratamento medicamentoso, técnicas de estimulação cerebral, como a eletroconvulsoterapia, também fazem parte das opções terapêuticas eficazes, principalmente em casos que não respondem adequadamente ao tratamento convencional.
A eletroconvulsoterapia é aplicada sob anestesia geral, consiste na indução controlada de uma breve atividade elétrica no cérebro.
Há muitas evidências de que esse tratamento é eficaz em diferentes tipos de depressão, mas ainda existe um estigma em torno desse método, muitas vezes baseado em ideias antigas e incorretas.
A eletroconvulsoterapia costuma ser recomendada em casos como:
- Depressão grave com risco de suicídio;
- Depressão com sintomas psicóticos (como delírios ou alucinações);
- Casos que não melhoram com outros medicamentos (depressão resistente ou recorrente);
- Catatonia;
- Situações em que os remédios representam mais riscos, como em idosos, gestantes ou durante a amamentação.
Apesar do preconceito que ainda existe, a eletroconvulsoterapia é um tratamento seguro e eficaz, quando feito por profissionais qualificados.
5. PSICOTERAPIA:
A psicoterapia é uma parte essencial do tratamento da depressão. Mais do que aliviar sintomas, ela oferece um espaço seguro e acolhedor para que o paciente possa falar sobre seus sentimentos, elaborar experiências difíceis e desenvolver estratégias para lidar melhor com o sofrimento.
Esse processo terapêutico acontece, principalmente, por meio do diálogo, da escuta ativa e da relação de confiança com o terapeuta. O objetivo é ajudar o paciente a compreender e transformar pensamentos, emoções e comportamentos que estejam gerando sofrimento e interferindo na sua qualidade de vida.
Diversos estudos clínicos mostram que a psicoterapia é eficaz tanto para a redução dos sintomas depressivos agudos quanto para a prevenção de recaídas. Em muitos casos, a combinação de psicoterapia com antidepressivos proporciona os melhores resultados.
Existem diferentes abordagens terapêuticas, e a escolha deve levar em conta o perfil do paciente, a natureza da queixa e os objetivos do tratamento. Abaixo, algumas das abordagens utilizadas no manejo da depressão:
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (TCC): É uma das abordagens mais estudadas e recomendadas como tratamento de primeira linha para a depressão. A TCC ajuda o paciente a: – Identificar padrões de pensamento negativos ou distorcidos – Reestruturar esses pensamentos, tornando-os mais realistas e funcionais – Adotar comportamentos mais saudáveis, que promovem bem-estar e autonomia |
ATIVAÇÃO COMPORTAMENTAL: É uma terapia breve, prática e estruturada que busca aliviar a depressão por meio da mudança de comportamentos. Muitas pessoas deprimidas evitam atividades importantes por falta de energia ou motivação, o que gera ainda mais isolamento e piora dos sintomas. A ativação comportamental ajuda o paciente a: – Retomar atividades prazerosas e significativas – Quebrar o ciclo de evitação e passividade – Reconectar-se com fontes de prazer, conquista e propósito O foco está em pequenas ações no dia a dia, que geram reforço positivo e ajudam a reconstruir a motivação. |
TERAPIA INTERPESSOAL: É uma abordagem estruturada que foca principalmente nos relacionamentos e no contexto social atual do paciente. Ela parte do princípio de que os sintomas depressivos estão frequentemente ligados a dificuldades nas relações interpessoais ou a mudanças importantes na vida. O terapeuta busca identificar uma ligação clara entre o início dos sintomas depressivos e situações interpessoais atuais, trabalhando de forma prática e focada em soluções. A abordagem se concentra no presente e geralmente foca uma de quatro áreas principais: – Luto – dificuldades para elaborar a perda de alguém significativo; – Conflitos interpessoais – dificuldades nas relações afetivas, familiares ou profissionais; – Transições de papel – mudanças significativas na vida, como aposentadoria, divórcio, mudanças de carreira ou maternidade/paternidade; – Déficits interpessoais – dificuldades persistentes para iniciar ou manter relações próximas. Costuma ser indicada especialmente quando os sintomas estão claramente ligados a eventos ou conflitos nas relações sociais e afetivas. |
PSICANÁLISE: A psicanálise busca compreender os conflitos emocionais inconscientes que influenciam pensamentos, comportamentos e relacionamentos. Durante as sessões, o paciente é incentivado a falar livremente sobre sentimentos, lembranças e associações, sem censura. O terapeuta escuta com atenção e oferece interpretações que ajudam a: – Tornar conscientes padrões emocionais repetitivos; – Compreender mecanismos de defesa como repressão, negação e projeção; – Observar como esses padrões se manifestam na relação com o terapeuta (fenômeno conhecido como transferência). Ao tomar consciência dessas repetições e seus significados, o paciente pode ressignificar experiências, aliviar sintomas e promover mudanças emocionais profundas e duradouras. |
6. TERAPIA OCUPACIONAL:
A terapia ocupacional pode ser uma aliada importante no tratamento da depressão, especialmente em casos que envolvem dificuldades no trabalho, na rotina diária ou na retomada de atividades significativas.
Ela ajuda o paciente a reconstruir a autonomia, recuperar o senso de propósito e retomar gradualmente a participação ativa na vida.
Quando associada ao tratamento tradicional, a terapia ocupacional pode aumentar as chances de remissão dos sintomas e facilitar a reintegração à vida profissional de forma mais saudável.
DEPRESSÃO REFRATÁRIA AO TRATAMENTO
Em alguns casos, mesmo após tentativas adequadas de tratamento, o paciente não apresenta melhora significativa dos sintomas. Nesses casos, considera-se que a pessoa pode estar diante de um quadro de depressão refratária — ou seja, quando pelo menos dois antidepressivos de classes diferentes foram utilizados corretamente, sem sucesso terapêutico.
A presença de sintomas residuais ao final da fase aguda aumenta o risco de recaídas, recorrência e evolução para refratariedade.
Pacientes com depressão refratária tendem a apresentar maior necessidade de acompanhamento médico, mais hospitalizações e uso mais frequente de diferentes medicamentos.
Nesses casos, é fundamental realizar uma avaliação cuidadosa, considerando:
- Adesão ao tratamento;
- Diagnósticos diferenciais (como transtorno bipolar, transtornos de personalidade);
- Comorbidades clínicas e psiquiátricas;
- Explorar a dinâmica interpessoal e familiar;
- Possíveis interações medicamentosas.
O manejo da depressão refratária pode envolver estratégias terapêuticas mais complexas e personalizadas. A depressão refratária não significa que não há opções de tratamento — mas sim que é necessário um plano de cuidado mais especializado, multidisciplinar e individualizado para oferecer o suporte adequado à recuperação.
CONCLUSÃO
A depressão é uma condição de saúde complexa, que vai muito além da tristeza. Afeta o pensamento, o corpo, as emoções, as relações interpessoais e a rotina, comprometendo o bem-estar e a qualidade de vida de quem a vivencia.
Existem diferentes formas de manifestação da doença, múltiplos fatores envolvidos em sua origem e uma ampla variedade de estratégias terapêuticas que podem ser adotadas ao longo do tratamento.
Apesar de ser uma condição desafiadora, a depressão tem tratamento. Com o acompanhamento adequado, é possível reduzir os sintomas, retomar o funcionamento e reconstruir uma vida com mais equilíbrio, propósito e conexão.
O primeiro passo, muitas vezes, é buscar uma escuta qualificada e acolhedora.
Se você se identificou com o que foi descrito neste artigo — ou se conhece alguém que pode estar passando por isso — saiba que não é preciso enfrentar esse momento sozinho(a). Agende uma consulta!
O acompanhamento psiquiátrico individualizado pode fazer toda a diferença no seu bem-estar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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